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Depois de Stanford, brasileira cria plataforma de economia colaborativa

Priscila Bellini - 16/08/2017
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Cada vez mais, surgem modelos de negócios que relegam o dinheiro a segundo plano. Com as possibilidades de economia colaborativa e solidária, mais sites, apps e outras iniciativas propõem um estilo de vida diferente, em que o fator econômico não pese tanto. Tornou-se possível compartilhar com muito mais gente os espaços físicos, os objetos de interesse, e recursos materiais de todo tipo.

A baiana Lorrana Scarpioni aposta nessa ideia desde 2013, quando fundou a Bliive – uma plataforma online de troca de tempo. No site, um usuário pode trocar uma hora de aula de violão por um crédito de uma hora, e utilizá-lo para aprender a andar de skate, por exemplo. Não existe atividade mais ou menos importante, todas valem a mesma coisa. “É uma economia de comunidade, que acontece nas pequenas ações”, explica Lorrana, que já foi escolhida pela revista de inovação MIT (Massachusetts Institute of Technology), Technology Review, um dos 10 brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos. Formada em Direito e em Relações Públicas e com um curso de administração na Stanford Graduate School of Business, Lorrana explica neste bate-papo como viabilizou a plataforma e fala sobre a perspectiva de crescimento da economia colaborativa.

Como foi que você percebeu uma brecha para criar um projeto como a Bliive? Teve algum insight?

Eu costumo dizer que foram alguns documentários que me influenciaram bastante. Sempre gostei muito de documentário e consigo ver uma influência muito grande de dois deles na Bliive. O primeiro tratava de economias alternativas e falava sobre como a nossa relação com o dinheiro pode ser mais saudável do que é hoje; o outro era sobre colaboração online, e sobre como a internet está empoderando as pessoas a viverem novas experiências.

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Como foi o processo de criação, de desenhar a plataforma?

Eu sempre pensei em plataforma online, desde o primeiro minuto, mas o formato, a tecnologia, como fazer, foi amadurecendo com o tempo. Contei muito com a internet, com blogs, para saber o que era uma startup, cases de outras startups… Apesar de ter começado a empresa sozinha, eu me viciei nesses blogs de startup, porque não conhecia nem esse termo quando tive a ideia da Bliive. Foi um tempo de entender o ecossistema, como era, como funcionava, e eu passei a assistir tudo que eu podia.

O período em Stanford ajudou a viabilizar o projeto?

Foi uma experiência bem interessante, no sentido de que a minha formação não tinha nada a ver com business. Eu tinha muita dificuldade com alguns termos, não entendia também a parte financeira da organização. O curso em Stanford me deu subsídio para entender melhor isso e fazer com que a empresa pudesse ser mais preparada como startup. Foi bem forte a questão do conhecimento em finanças, e em estratégia e negociação também. Ajudou a entender tudo que envolve uma empresa, a questão do RH, o que tem que estar funcionando na organização para que ela dê certo.

O que existe de tão atraente em usar tempo e não dinheiro?

As pessoas criam uma relação diferente da relação de fornecedor e de quem está recebendo um serviço, é uma relação de pessoa para pessoa, mais colaborativa. O valor está na própria experiência, não só no valor monetário dela, é um pouco mais subjetivo. Acredito que é esse fator humano, de você entender o valor da sua comunidade e contar mais com outras pessoas. Acho que a maior dificuldade, no começo da plataforma, foi que as pessoas entendessem um pouco de quais são seus talentos, o que podiam oferecer, o que gostariam de ter, como encontrar um tempo na agenda. Uma vez que você passa por isso, é muito legal, porque a gente recebe muitos feedbacks positivos.

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Que tipo de feedbacks a Bliive recebe?

Desde pessoas que aprenderam coisas novas, mudaram de carreira porque trocaram experiências com a Bliive, até pessoas que fizeram amigos e que são amigos até hoje, graças à plataforma. Pessoas que tiveram acesso a recursos e que não teriam antes, por falta de dinheiro, e que puderam fazer tudo usando a Bliive, também…

Há espaço ainda para criar negócios nesse sentido, de uma economia colaborativa?

Com certeza. Tem gente que fala “ah, mas tem Uber, Airbnb, está tudo feito”, mas na verdade a gente também precisa de economia colaborativa na agricultura, no setor de energia, nas escolas. Ainda tem muita oportunidade. É essa mudança de mindset das pessoas e essa percepção de que muitas vezes a gente não pode contar apenas com a economia. Uma vez que a gente se sente empoderado suficiente para correr atrás das coisas por nós mesmos, isso também nos ajuda a entender o nosso papel e o que queremos fazer quanto a isso.

Há alguma tendência de ampliação da economia alternativa em alguma área específica?

O impulso disso é o poder da internet e de uma economia que organiza informações. A Bliive nada mais é do que uma plataforma que organiza o que as pessoas têm a oferecer e do que elas precisam, usando o tempo como uma moeda pra fazer essas trocas acontecerem. Hoje, com as pessoas cada vez mais tempo online, organizar essas necessidades e habilidades, ou organizar os recursos materiais, da sua casa, do seu carro, vai ficar cada vez mais fácil.

O que você projetaria para um cenário daqui a cinco ou mesmo dez anos?

Iniciativas parecidas tanto como a Bliive quanto de compartilhamentos de outros recursos. Por exemplo, a gente tem uma startup de caronas corporativas chamada Bynd, o Tem Açúcar, de compartilhar objetos com outras pessoas… É um pouco do que eu vejo de tendência, do que vai aparecer mais no futuro.

Quais as vantagens de investir nesse modelo de empreendimento social?

Eu diria que você tem muito claramente o propósito do que está fazendo, você acorda todo dia sabendo disso. Às vezes, você pode até achar que está fazendo algo só numa tela de computador, mas na verdade você está criando uma ferramenta de mudança. Acho que é mais fácil conectar a sua causa, as coisas em que você acredita, a mudança que você quer ver no mundo com o que você faz. A outra coisa é a questão de que muitas pessoas se aproximam para ajudar, porque acreditam no que você está fazendo e sabem que isso vai fazer um bem para o mundo. Então, a quantidade de parceiros, de coisas boas que podem vir é muito grande. Tem também essa tendência positiva de que as pessoas apoiem mais negócios sociais, fundos de investimento para esses negócios, tudo isso é bem positivo.

E as dificuldades?

As partes ruins são, talvez, a dificuldade em encontrar um modelo sustentável, mas depende muito. Existem startups de negócios sociais que têm um modelo muito claro, e que não têm esse problema. Mas você acaba bloqueando algumas marcas, algumas coisas com que você trabalharia por uma questão dos seus princípios. É algo mais difícil. Também é difícil metrificar o impacto social de um negócio – é mais fácil ver o impacto financeiro, o lucro, mas qual o impacto social disso fica mais complicado de medir. Mas talvez as dificuldades sejam as mesmas que qualquer empreendedor enfrenta.

Um cenário de crise favorece iniciativas nesse molde?

O cenário de crise facilita na medida em que as pessoas estão buscando mais alternativas e, querendo ou não, isso já é um avanço. Mas a gente ainda precisa entender a economia colaborativa como uma escolha não só na crise, entender que várias pessoas gostariam de buscar novas formas, “um jeito novo”. Porque a crise nada mais é do que a ausência de papel, mas os recursos ainda existem. A gente ainda tem recursos para trocar que poderiam ser trocados por meio do tempo.

Dá para viver apostando em iniciativas desse tipo?

Eu acredito que sim. É lógico que é desafiador você ter um negócio social em que os seus princípios dizem que o driver é, muitas vezes, mais importante que ganhar dinheiro. O nosso objetivo na Bliive é promover a igualdade de oportunidades entre as pessoas, e a gente acredita que o tempo é a ferramenta de fazer isso. Todas as pessoas têm 24 horas em um dia, não importa o câmbio, ou como está a economia. Isso nos coloca em pé de igualdade.

Apesar de, nesse contexto, a gente entender que ainda é uma plataforma web, mobile, e que nem todo mundo tem acesso à tecnologia e isso limita, claro. Eu acredito que, muitas vezes, criar uma empresa em que o motivo é a transformação social é mais desafiador na hora de ganhar dinheiro. Por outro lado, hoje estão crescendo muito os investimentos de impacto, as empresas de impacto positivo, e as pessoas estão percebendo o valor disso. Então, apesar de não ser fácil, vale muito a pena.

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Priscila Bellini
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