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Volta às aulas é segura na pandemia? O que dizem pesquisas de universidades estrangeiras

Gustavo Sumares - 27/08/2020
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O fim de julho ou o começo de agosto geralmente marcam o período de volta às aulas no Brasil. Em 2020, no entanto, a pandemia da COVID-19 colocou um grande ponto de interrogação nesse momento. É seguro retomar aulas presenciais no Brasil? Há diversas pesquisas sobre o tema, e nenhuma delas consegue dar uma resposta conclusiva.

Para tratar desse assunto, vamos abordar a seguir pesquisas feitas em algumas das melhores universidades do mundo. A questão importante porque, de acordo com uma estimativa da UNESCO, mas de 60% das crianças em idade escolar no mundo tiveram alguma alteração no seu ritmo de estudos durante a pandemia.

Por outro lado, essas crianças tem um grande potencial para espalhar a doença, de acordo com a Science Magazine. Se por um lado é verdade que elas têm menos chance de se infectar, por outro lado também é verdade que elas têm mais oportunidades de se infectar. Isso porque elas circulam entre grupos diferentes, encostam em mais pessoas e levam as mãos ao rosto com mais frequência. Elas também têm mais dificuldade em usar máscaras e menos auto-disciplina para mantê-las no rosto.

Portanto, entender a melhor maneira para realizar a volta às aulas presenciais é essencial para salvar vidas. Na Suécia, por exemplo, onde as aulas sequer foram interrompidas, poucas crianças morreram da doença, mas muitos professores acabaram infectados e faleceram por contraí-la de alunos assintomáticos.

A volta às aulas é segura durante a pandemia?

O que diz um estudo da Universidade Harvard

Pesquisadores da Universidade Harvard publicaram em 19 de agosto um artigo no Journal of Pediatrics sobre o papel que crianças podem ter na transmissão da COVID-19. O estudo abordou 192 crianças e adolescentes se dirigindo ao hospital ou sendo tratadas para COVID-19 ou síndrome inflamatória multissistêmica. Os pesquisadores colheram amostras de sangue, bem como de muco bucal e nasal, dos participantes.

Das 192 crianças, 49 estavam infectadas pelo SARS-CoV-2 (o vírus que causa a COVID-19). Nenhuma delas tinha comorbidades, o que em adultos pode aumentar o risco de infecção. E dentre elas, 25 tiveram febre: as outras 24 ou não tinham sintomas, ou tinham sintomas não-específicos — ou seja, sintomas que não indicavam imediamente que elas estavam infectadas pelo novo coronavírus.

Além disso, a carga viral encontrada na mucosa nasal das crianças foi “significativamente mais alta [do que a carga viral encontrada] em adultos hospitalizados com casos severos da doença”. Ou seja: mesmo sem demonstrar sintomas, elas estavam com o vírus em seus organismos, e em grande volume.

Conclusões

“Descobrimos que as crianças podem carregar volumes elevados do vírus em suas vias aéreas superiores, particularmente cedo durante uma infecção por SARS-CoV-2, e mesmo assim demonstrar sintomas relativamente moderados, ou sequer demonstrá-los”, diz o estudo. Os dados mostram portanto que as crianças podem transportar altas cargas virais, “o que é uma consideração essencial na hora de reabrir escolas e creches” segundo os cientistas.

Para fins de prevenção da disseminação da doença, portanto, os pesquisadores consideram que “é crítico identificar crianças infectadas o mais rapidamente possível para motivos de quarentena”. Mas eles reconhecem que “as crianças demonstram poucos sintomas, ou nenhum” e que “quando presentes, podem também remeter a sintomas de doenças não relacionadas à COVID”.

Por isso, caso escolas optem por reabrir, os pesquisadores consideram que “seria ineficaz contar com sintomas ou monitoramento de temperatura para identificar” crianças infectadas. “Em vez disso, medidas de controle de infecção devem tentar minimizar a possibilidade de disseminação viral, focando em estratégias como isolamento social, uso de máscaras ou aprendizado remoto”, diz o estudo.

Sem essas medidas, segundo os cientistas de Harvard, “há risco significativo de que a pandemia persista, e as crianças poderiam levar o vírus às suas casas, expondo adultos com maiores chances de desenvolver casos severos da doença”. Por isso, o estudo conclui que “se as escolas reabrirem sem as precauções necessárias, é provável que as crianças terão um papel maior nesta pandemia”.

Outro estudo: University College London, University of Sydney, University of Copenhagen e mais

Uma pesquisa um pouco menos recente, publicada em 3 de agosto no The Lancet, usou um método diferente para responder à pergunta. Nela, pesquisadores do Departamento de Pesquisa Aplicada em Saúde do University College London, da Escola de Física da Universidade de Sydney e do Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Copenhague, entre outros, usaram modelagem matemática para simular uma reabertura de escolas.

Essencialmente, a ideia é criar uma simulação do que aconteceria em diversos casos de reabertura das escolas. Para isso, eles usam dados de chances de infecção obtidos em outras pesquisas para criar um modelo que seja tão próximo quanto possível da realidade. Ainda se trata, naturalmente, de uma modelagem matemática, mas tão precisa quanto possível.

Os pesquisadores modelaram seis cenários possíveis. Esses cenários são a combinação de duas estratégias possíveis de reabertura das escolas (em tempo integral, ou em sistema rotativo, com metade dos alunos indo às aulas a cada semana, alternadamente) com três cenários de testagem (sem testagens adicionais e 68% de rastreamento de contatos, com testagens adicionais e 68% de ratreamento de contatos, e com testagens adicionais e 40% de rastreamento de contatos).

Conclusões

Após as simulações, os pesquisadores concluíram que seria possível prevenir um aumento de casos de COVID-19 causado pela volta às aulas presenciais. Para isso, segundo a modelagem deles, seriam necessárias duas condições.

Primeiro, que 59% a 87% das pessoas com sintomas fossem testadas em algum ponto durante a infecção (a porcentagem varia segundo os cenários simulados). Segundo, que houvesse suficiente rastreamento de contatos para que, caso alguém testasse positivo, essa pessoa e todas aquelas com as quais ela teve contato recentemente fossem isoladas e quarentenadas.

“No entanto, sem esses níveis de testagem e rastreamento de contatos, reabrir as escolas e relaxar gradualmente as medidas de isolamento provavelmente induzirá uma segunda onda [da pandemia] que atingirá seu pico em dezembro de 2020, se as escolas reabrirem em tempo integral em setembro, ou em fevereiro de 2021, se o sistema rotativo fosse adotado”, conclui o estudo.

De acordo com os pesquisadores, no caso dessa “segunda onda” acontecer, ela poderia ser de 2,0 a 2,3 vezes maior que a primeira onda da pandemia. Mas e se as crianças e jovens adultos só tivessem 50% da probabilidade de se infectar do que os adultos? Os pesquisadores também simularam esses casos, e dizem que mesmo nele, “ainda vimos que uma estratégica abrangente e efetiva de testar, rastrear contatos e isolar seria necessária para evitar uma segunda onda de COVID-19”.

Portanto, se a modelagem matemática for adequada, escolas devem estar preparadas para realizar enormes quantidades de testes, e ter uma maneira de rastrear as pessoas com as quais cada criança entra em contato. Sem isso, a reabertura das escolas pode levar a uma onda de infecções ainda maior.

Simulação brasileira: o que dizem UFABC, Unifesp, Ufscar e Universidade de Bristol

Uma objeção que se poderia levantar contra o estudo anterior é que ele usa dados referentes ao Reino Unido. Mas dois grupos de estudo brasileiros fizeram uma simulação semelhante com dados brasileiros. São os grupos Ação Covid-19 e Repu, que contam com pesquisadores da UFABC, Unifesp, Ufscar, IFSP, Universidade de Bristol (na Inglaterra) e Escola de Aviação do Exército da Colômbia.

Os grupos usaram uma ferramenta pública de simulação que leva em conta o tamanho da escola, o nível de respeito a medidas de distanciamento social, e o nível de respeito a protocoles de higiene e segurança.

Seguindo o protocolo da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, que prevê a volta de 35% dos alunos da rede pública a partir de 7 de outubro, os pesquisadores simularam o que poderia acontecer em duas escolas paulistanas. Consideraram também que há uma chance de 39% de que uma pessoa infectada transmita o vírus a outra, e que cada escola seria visitada por uma pessoa infectada a cada dez dias.

Conclusões

Com esses dados, simularam o que aconteceria uma escola pública com 400 alunos em 9.000 metros quadrados. Segundo falado pelos pesquisadores à Folha de São Paulo,,Mesmo com o máximo de respeito às medidas de isolamento social e aos protocolos de higiene e segurança, mais de 10% dos professores e alunos teriam sido infectados dois meses após a volta às aulas presenciais.

Outra simulação usou dados de uma escola pública com 700 alunos e 6.500 metros quadrados. Também considerando o máximo de respeito às medidas preventivas, 46,3% dos professores e alunos da escola teriam sido infectados dois meses após a volta das aulas presenciais.

Ainda de acordo com os pesquisadores, para controlar a disseminação da doença seria necessário reduzir a 7% a porcentagem de alunos da rede pública que voltaria às aulas. Isso por causa das características físicas das escolas, que provocam aglomerações de pessoas.

Também vale levar em consideração que a simulação só leva em conta o tempo que os alunos passam dentro das escolas. Ela não considera o tempo que as crianças passariam no transporte público, ou seu contato com os parentes. Ainda segundo os pesquisadores essa simulação foi “conservadora”, e a disseminação poderia ser muito maior em escolas mais adensadas.

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Sobre o escritor

Gustavo Sumares
Gustavo Sumares
Gustavo Sumares é o editor do Estudar Fora. Jornalista, já escreveu sobre tecnologia e carreira.

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