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Trancar a faculdade e tirar um ano sabático vale a pena? Saiba como decidir!

Gustavo Sumares - 19/08/2020
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Você já teve vontade de fazer uma pausa nos seus estudos e tirar um ano sabático para perseguir algo que tem vontade de fazer? Ou quem sabe para se dedicar ao trabalho e tentar melhorar sua condição financeira? Ou talvez ainda para descobrir uma atividade diferente que faça você pensar “é isso que eu quero fazer da vida!”. Se sim, é bem provável que você tenha pensado depois: mas será que é uma boa ideia?

De acordo com Gustavo Torres, brasileiro que se formou em Stanford em junho de 2020, a resposta, na enorme maioria dos casos, é sim! Ele próprio “trancou a faculdade” por um ano entre 2017 e 2018 e conta que hoje, após se formar, só consegue perceber pontos positivos na sua decisão. “A não ser que você tenha um motivo muito forte para não fazer, eu recomendo que você faça”, diz.

Motivação

Gustavo tem uma trajetória de vida inspiradora: morador do Capão Redondo na capital de São Paulo, ele ganhou bolsa para fazer o ensino médio num dos melhores colégios particulares da cidade. No fim de seus estudos, foi aprovado para cinco das melhores universidades dos Estados Unidos, incluindo Harvard (e você pode ler aqui o essay que lhe garantiu a vaga em Yale).

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No final, optou por estudar em Stanford, que era a escola que, na visão dele, tinha mais a ver com a trajetória que ele almejava. Foi, de fato, o que aconteceu, e ele se apaixonou pela instituição. Naquele primeiro ano de estudos, segundo ele, “nem passava pela minha cabeça [tirar um ano sabático], porque parece que você não tá curtindo a faculdade”.

E ele estava curtindo muito a faculdade. Um dos motivos para isso era que ele tinha aulas com David Kelley, um dos idealizadores da metodologia design thinking, uma pessoa que Gustavo já conhecia e admirava muito. Por conta dessa admiração, ele foi ao escritório do professor durante as horas em que ele recebia estudantes só para conversar. E foi durante essa conversa que a ideia de tirar um ano sabático surgiu… do próprio David.

Decisão

“Ele meio que fala isso para todo mundo. E na hora eu fiquei tipo ‘como assim???’, mas aí a gente conversou mais e ele me falou de dois pontos”, lembra o estudante recém-formado. O primeiro era que esse ano ajudaria-o a ganhar independência e autonomia, já que até aquele momento a vida dele seguira uma espécie de trilho: escola, provas, faculdade, etc. Nesse ano sabático, seria a primeira oportunidade para Gustavo decidir o que ele queria fazer fora de quaisquer trilhos.

Além disso, outro ponto que David levantou foi, inusitadamente, o da estabilidade. “Não vai ter nenhum outro momento da sua vida em que você vai poder passar um ano inteiro fazendo o que quiser e saber exatamente onde vai estar no final desse ano” foi o argumento de David nas palavras de Gustavo.

“Na hora eu fiquei meio assustado, eu achei que não fazia muito sentido para mim”, lembra. Mas depois ele somou a esses argumentos do professor duas impressões suas. Primeiro, ele sentia que já não estava mais aprendendo tanto assim na universidade. “No primeiro ano, tudo era novo, eu aprendia demais. No segundo, eu já tinha meio que entendido o que eu tinha que fazer e a minha curva de aprendizado começou a ficar mais plana”, comenta.

O segundo motivo era que, por mais que pensasse, Gustavo não via o que poderia haver de ruim em fazer isso. “Eu via vários ganhos potenciais, e a única perda que eu via era que eu me formaria um ano depois”, lembra. Para decidir, foi conversar com outros professores e ex-alunos: “literalmente 100% das cerca de 15 pessoas com quem eu conversei me disseram: ‘faz’. E dos ex-alunos, todos disseram que gostariam de ter feito”, rememora.

Preparação

Naturalmente, Gustavo sabia que precisaria se preparar para não ter problemas com dinheiro durante esse ano, e para não passar 12 meses olhando para o teto pensando na vida. David havia lhe dado a dica de dividir o ano em quatro trimestres, e fazer em cada um deles algo diferente. No começo ele seguiu essa dica, e como precisaria de dinheiro, pensou em países nos quais gostaria de trabalhar e começou a escrever cartas.

“Fiz uma lista de países que queria conhecer, e depois ativei minha rede de contatos pesquisando por oportunidades de trabalho nesses países”, conta. O fato dele ser um brasileiro estudando numa das melhores universidades do mundo, na lembrança dele, fez com que várias portas se abrissem. De certa forma, isso resolveria a questão do que fazer. Também solucionaria o problema de que, sem estar matriculado, seu visto de estudante nos EUA perderia a validade.

Mas havia ainda a necessidade de averiguar junto à universidade se não haveria problemas com essa pausa. Mas Gustavo lembra de tudo ter sido resolvido com algumas visitas breves aos departamentos certos. Bolsista, também teve que ir ao departamento de auxílio financeiro para comunicar sua decisão e pedir o adiamento da bolsa até o momento de seu retorno, o que também foi tranquilo na lembrança dele.

O ano sabático em si

Com a ajuda de sua rede de contatos, ele conseguiu uma oportunidade de trabalho temporário numa empresa indiana em Nova Delhi. Era uma empresa que fazia atividades de educação sobre empreededorismo em diversas regiões do país, e graças a isso Gustavo pode conhecer bastante da Índia.

Além de viajar para um país que sempre quis visitar e adquirir experiência profissional, o tempo na Índia também foi importante para os planos que ele tinha para os próximos meses. De um interesse por educação e programação e de uma vontade de empreender, nasceu a vontade de criar uma empresa no Brasil que ensinasse programação a jovens de baixa renda.

Gustavo Torres em Gurudwara Bangla Sahib, Nova Delhi. Outubro de 2017.
Gustavo Torres em Gurudwara Bangla Sahib, Nova Delhi. Outubro de 2017.

Assim, ao concluir seu período trabalhando na Índia, Gustavo veio para o Brasil e fundou a Hike Academy. A ideia era arrecadar fundos junto a empresas e organizações brasileiras para oferecer, gratuitamente, educação sobre desenvolvimento web para jovens das periferias. E, por um bom tempo, a ideia funcionou — foi talvez nesse momento que Gustavo esteve mais longe de Stanford.

“Eu considerei até não voltar, porque afinal, eu não tava fazendo aquele negócio só de brincadeira. Se ele estivesse indo muito bem, eu até pensei em trancar a universidade por mais um ano”, lembra. A empresa foi bem, tanto que ele acabou não seguindo à risca a dica de David de dividir seu ano em 4 partes: passou 4 meses na Índia e 8 no Brasil com a Hike Academy. Ao fim desse período, sentiu que voltar à universidade era o que fazia mais sentido.

Voltando aos estudos

Stanford continuava relativamente igual quando Gustavo voltou, mas ele estava diferente. Uma das diferenças que ele percebeu foi que estava mais confiante. “Antes eu tomava muito por garantido que o conhecimento de autoridades e professores estava sempre certo. E depois eu me senti muito mais confiante para debater, me colocar e ser eu mesmo”, avalia.

Nesse sentido, também percebeu que conseguia pensar de maneira mais independente. Se antes ele se preocupava em fazer todas as atividades extracurriculares que pudesse, agora ele se sentia mais à vontade para escolher apenas aquelas que sentia serem importantes para a sua trajetória. “Acho que votei com mais foco e clareza”, comenta.

E Gustavo percebeu também que se sentia mais à vontade para socializar além dos círculos de amigos brasileiros que tinha em Stanford. “O tempo que eu passei na Índia me ajudou muito a superar a barreira de língua. Ei tinha dificuldade em me expressar em inglês e fazer amizade com pessoas dos EUA, mas depois de passar um tempo na Índia precisando falar inglês direto, senti que eu melhorei nesse aspecto”, diz.

Finalmente, após sua experiência de empreendedorismo, ele soube com certeza que era aquilo que ele queria fazer no futuro. “Eu não sabia se ia gostar de criar uma empresa. Tinha uma ideia meio vaga, mas não tinha certeza”, considera. Depois de ter passado por esse processo, ele soube que aquela ideia vaga era precisa.

Resumindo: valeu a pena tirar um ano sabático?

Gustavo formou-se em junho deste ano e, por mais que se esforce para pensar, não vê nada de negativo de sua experiência tirando um ano sabático. O fato de que ele levou um ano a mais para se formar pode ser o único deles, mas em seu caso particular, não havia motivo para adiantar a formatura. Por isso, ele recomenda irrestritamente a experiência. “Acho que todo mundo que pode e sente vontade deveria fazer”, aconselha.

Se esse é o seu caso, ele oferece duas recomendações: primeiro, manter um diário durante esse ano. “Vai pensando no que você quer fazer, vai escrevendo suas ideias, suas experiências”, sugere. Durante seu ano sabático, Gustavo fez isso e sentiu que o diário ajudou-o a ver seus pensamentos com mais clareza.

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Além disso, ele também indica que as pessoas em ano sabático tentem encontrar (ou formar) uma rede com outras pessoas que estiverem passando pela mesma experiência. “É interessante você fazer um check-in de vez em quando com elas, porque muitas vezes isso pode trazer ideias do que você também pode fazer”.

Mas por mais que ele recomende que todos tirem um ano sabático, ele também sugere que talvez esse ano, 2020, não seja o melhor para essa experiência. “Muito da minha experiência veio de ‘estar presente’ nos lugares onde estive, então não sei como a pandemia afetaria isso”, conclui.

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Sobre o escritor

Gustavo Sumares
Gustavo Sumares
Gustavo Sumares é o editor do Estudar Fora. Jornalista, já escreveu sobre tecnologia e carreira.

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