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“Seu objetivo é escrever uma redação que faça com que se apaixonem por você”

Priscila Bellini - 22/08/2023
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Pense nisso antes de se sentar em frente ao computador para escrever seu essay: uma sala abarrotada de representantes de admissão e de membros do corpo docente, sentados ao redor de uma grande mesa coberta de arquivos. O pessoal das admissões, muitas vezes jovens e mal-pagos, agita-se com entusiasmo, enquanto os professores fazem pausas frequentes para tirar os óculos e esfregar os olhos.

Esses senhores exaustos, com a hiperatividade induzida por cookies e brownies, têm participado de reuniões de comitê por dias, depois de passar meses lendo applications, sendo que muitas delas parecem bem semelhantes: baseball = vida, ou debates = vida, ou “eu fui para um país em desenvolvimento e descobri que pessoas pobres podem ser felizes”.

Eles se arrastam pelas longas listas de candidatos, estado por estado, região por região. As melhores e as piores candidaturas não chegam ao comitê. É a pilha gigantesca no meio termo que provoca discussões.

Verdade seja dita, a maioria dos essays é comum. Muitos são entediantes. Alguns são simplesmente ruins. Mas, ocasionalmente, um deles vai fazer com que o representante de admissões saia pelo corredor para encontrar um dos colegas e dizer “Você tem que ver o que essa vencedora de Olimpíadas de Matemática disse sobre Hamlet”. O seu objetivo é escrever um essay que faça com que se apaixonem por você.

Uma vez separados tempo e energia emocional para sentar a bunda na cadeira e escrever, você encara uma tarefa intimidadora: a de descobrir sobre o que escrever. Se você está em dúvida, está em boa companhia. Com tanta liberdade, essa missão se torna um desafio para a maioria dos estudantes.

Aqui vai uma dica: escolha um tema sobre o qual você realmente queira escrever. Se o assunto não importar para você, não vai importar para o leitor. Escreva sobre o que o mantém acordado à noite. Pode ser sobre carros ou sobre café. Pode ser o seu livro favorito ou o teorema de Pitágoras. Pode ser o porquê de você não acreditar em evolução, ou como você acredita que a couve kale deve ter contratado uma empresa de relações públicas para conseguir que as pessoas a comessem.

Um bom tema será complexo. Na escola, você provavelmente foi encorajado a escrever textos em que tomava partido de algo. Isso funciona em trabalhos acadêmicos quando solicitam que você argumente em favor de uma posição, mas em um essay mais pessoal, você quer expressar um pensamento cheio de nuances e explorar suas próprias emoções conflitantes. Em um essay, conflito é bom.

Por exemplo, “Eu amo minha mãe. Ela é minha melhor amiga. Nós usamos as mesmas roupas e assistimos às edições de ‘The Real Housewives’ de três cidades diferentes” não funcionaria como tema de um bom essay. Já “eu amo minha mãe, apesar de ela me fazer limpar meu quarto, odiar o meu porquinho-da-índia e ser doida por comidas nojentas como couve kale” talvez leve a alguma coisa.

Ainda que o essay tenha de ser sobre um tema mais pessoal, o leitor pode aprender muito sobre você a partir de qualquer coisa que escolha focar ou a partir da forma como for descrito. Um dos exemplos favoritos, de quando eu trabalhava com admissões na Universidade Duke, começava com “meu carro e eu temos muito em comum”. O candidato então descrevia um carro que cheirava a cachorro molhado e que ia de zero a 60 km/h em… Bem, nunca chegava aos 60.

Outro rapaz escreveu sobre cozinhar kimchi [prato típico da Coreia do Sul] com a mãe. Eles iam até a garagem e conversavam, realmente conversavam. “Uma vez minha mãe disse para mim em um forte sotaque coreano: ‘Toda vez que você fizer sexo, eu quero que você garanta que vai usar camisinha’. Eu caí na gargalhada na hora e disse ‘Mãe, isso pode sair um pouco caro!”. Uma garota escreveu sobre uma decisão feminista tomada pela mãe, de colocar próteses de silicone nos seios.

Um carro, kimchi, uma decisão da mãe – os candidatos usaram tais objetos como veículos transmitir o que tinham a dizer. Tais objetos permitiram ao escritor explorar o assunto principal: este sou eu.

Não se gabe pelos seus sucessos. Pelo contrário, olhe para os momentos em que você sofreu ou, ainda, aqueles em que falhou. Falhas são ouro “ensaístico”. Descubra o que você aprendeu com isso. Escreva sobre isso. Seja honesto e diga as coisas mais difíceis que puder. E lembre-se dos responsáveis pelas admissões, sentados ao redor de uma mesa durante o inverno. Sacuda-os desse coma diabético e dê a eles algo com que possam se animar.

10 coisas que os estudantes devem evitar em seus essays

Repetindo o formato.

Os responsáveis pelas admissões sabem o que haverá nas applications. Não comece com “A time that I failed was when I tried to beat up my little brother and I realized he was bigger than me” (“Um dia em que eu falhei foi quando tentei bater no meu irmão mais novo e percebi que ele já era maior do que eu”). Você começaria bem dizendo: “As I pulled my arm back to throw a punch, it struck me: My brother had gotten big. Bigger than me” (“Ao levantar meu braço para dar um soco, logo me veio à mente: meu irmão tinha crescido. E ficado maior do que eu”).

Deixe o dicionário de fora.

A não ser que você esteja usando o termo “prink” (ornamentar) ou “demotic” (popular) ou “couloir” (um desfiladeiro profundo), você deve presumir que o leitor saiba o significado das palavras que você escreveu. Então é melhor não começar seu essay com “de acordo com o dicionário Webster’s…”

O epígrafo.

Muitos essays começam com aspas de outro escritor. Quando você tem um espaço limitado, não deve dar esse bem precioso às palavras de outra pessoa.

Você está lá!

Ao escrever sobre eventos passados, a conjugação no presente não permite reflexões. Tudo que você pode fazer é contar a história. Isso aconteceu, então aquilo aconteceu e depois outra coisa aconteceu. Alguns escritores iniciantes pensam que o tempo presente permite uma leitura mais interessante. E você vai perceber como isso é uma falácia se prestar atenção em quantas histórias de suspense foram escritas no passado.

Efeitos sonoros.

Ai! Uooooou! Pow! Você está pensando em revistas em quadrinhos? Certamente que uma boa escrita beneficia-se de uma onomatopeia discreta. Uma batida é uma boa opção. Ou uma efervescência. Mas, ao adicionar pontos de exclamação, você está adentrando águas perigosas. Não comece seu essay com um bang!

Partes do corpo ativas.

Uma forma de fazer seu leitor se arrepiar é dar às partes do corpo vida própria. Quando você escreve um trecho como “His hands threw up”, o leitor pode ter uma imagem visual de mãos vomitando. “My eyes fell to the floor”. Eca.

Clichês dão o recado por você.

E aqui vai um deles: não há nada de novo sob o sol. Nós roubamos frases e ideias o tempo todo. O conselho do escritor George Orwell: “nunca use uma metáfora, uma analogia ou outra figura do discurso que você costume ver impressa”.

Ser ou não ser.

Livre-se do verbo “to be”. Substitua o “was” em “The essay was written by a student; it was amazing and delightful” (“A redação foi escrita pelo estudante; era maravilhosa e encantadora”) e você terá “The student’s essay amazed and delighted me” (“A redação do estudante me maravilhou e encantou”). Nós saímos de uma descrição estática para uma cheia de energia, e ainda reduzimos o número de palavras à metade.

Pacotes de palavras.

Algumas frases — free gift, personal beliefs, final outcome, very unique — vêm em um pacote que nós não devemos nos preocupar em abrir. Elas são redundantes.

Regras para ignorar.

Na aula de inglês, você talvez tivesse de seguir uma lista de regras que o professor dizia serem necessárias para uma boa gramática. Não use contrações. Nem frases fragmentadas. É imperativo evitar o “split infinitive”. Terminar com uma preposição é o tipo de coisa que os professores não vão tolerar. E não comece uma frase com conjunções como “and”, “but” ou “because”. Pegue um bom livro e você vai ver que os melhores autores ignoram essas regras sufocantes e enfadonhas.

 

Por Rachel Toor, professora de escrita criativa na Eastern Washington University em Spokane. Esse texto, publicado originalmente no New York Times, foi adaptado a partir de seu novo livro “Write Your Way In: Crafting an Unforgettable College Admissions Essay”.

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Sobre o escritor

Priscila Bellini
Priscila Bellini
Priscila Bellini é jornalista, bolsista Chevening 2018/2019 e mestre em Gênero, Mídia e Cultura pela London School of Economics and Political Science (LSE). Foi colaboradora do Estudar Fora em 2016 e 2017 e editora do portal em 2018.

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