Por Antônio Paulo de Paiva Almeida
Sonhar em estudar fora do país, para muitos estudantes da rede pública, parece algo distante demais. Não é só a falta de recursos — é a ausência de informação, de exemplos próximos e de uma rede de apoio que aponte o caminho. Em muitas escolas, ninguém fala sobre applications, cartas de recomendação ou bolsas de estudo. E é justamente nesse silêncio que nascem histórias de persistência.
Foi assim com José Wagner, do interior de Pernambuco, à Haverford College, e Sílvio Antunes, que estudou toda a vida em escolas públicas e atualmente é um estudante da Duke University. Ambos descobriram, à sua maneira, que é possível atravessar as barreiras impostas pela desigualdade e transformar o estudo em ferramenta de mudança.
“Eu comecei a sonhar em estudar fora quando tinha 13 anos”, contou José. “Aprendi idiomas sozinho, e foi isso que me fez perceber que o mundo era muito maior do que o que eu via ao meu redor.”
Aprender línguas por conta própria, sem professores especializados e sem acesso a cursos pagos, foi o ponto de virada. “Não havia ninguém ao meu redor que entendesse como funcionava esse processo”, ele lembra. “Muita gente achava que era impossível.”
Estudar em escola pública no interior de Pernambuco significava enfrentar a ausência de referências e, muitas vezes, de incentivo. “Era difícil até encontrar alguém para conversar sobre o assunto. As pessoas viam estudar fora como algo distante demais.”
Mesmo assim, José seguiu buscando alternativas. “Participei das mentorias Pré-Fundamentos e Pré-Américas da BRASA, fui bolsista da Bolsa Crimson Brasil 2024 e também consegui bolsas de 100% para dois Summer Programs em Yale. Essas experiências foram fundamentais para entender o processo de application e acreditar que dava pra chegar lá.”
Ele também encontrou apoio em comunidades de estudantes. “No Lidera Nordeste, conheci pessoas com histórias parecidas com a minha. A gente se ajuda, compartilha dúvidas, vitórias e aprendizados. Foi um processo cansativo e cheio de desafios, mas valeu cada segundo.”
Hoje, José vê sua trajetória com clareza: “Vir de escola pública não é uma desvantagem, mas é um caminho com desafios específicos. Falta informação, falta orientação, falta rede de apoio. Mas isso não quer dizer que seja impossível. Eu e muitos outros conseguimos — e isso mostra que dá pra chegar lá.”
A história de Sílvio Antunes segue um caminho semelhante. Desde cedo, ele entendeu que o estudo poderia abrir portas que pareciam fechadas. “Eu estudei em uma escola onde o acesso a boas aulas era limitado, e muita gente não via a universidade como uma possibilidade concreta”, ele conta.
Tudo começou a mudar quando ele participou da OBMEP, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. “A OBMEP me mostrou que estudar podia ser algo transformador. Quando ganhei medalha, comecei a participar de aulas na universidade e percebi que educação podia ser parte real da minha vida.”
Mas a caminhada não foi simples. “Quando você vem de escola pública, é difícil ter acesso a boas aulas ou a preparação específica para processos seletivos. Às vezes o básico falta. E quando comecei a participar de olimpíadas ou eventos, era comum ser o único aluno de escola pública ali. Isso te faz questionar se você realmente pertence àquele espaço.”
Sílvio encontrou força justamente nessa diferença. “Eu entendi que teria que me esforçar mais. Buscava aulas no YouTube, tentava bolsas em cursinhos, estudava em casa para compensar o que não tinha na escola. Muitas vezes o estudo verdadeiro começava quando eu chegava em casa.”
Com o tempo, ele passou a enxergar o pertencimento de outra forma. “Mesmo sendo o primeiro da minha família a ir pra faculdade, percebi que podia ser o primeiro, mas não o último. Ocupar esse espaço é importante, mas abrir caminho para quem vem depois é essencial.”
Sílvio também reflete sobre o peso estrutural da desigualdade: “O problema não é a escola ser pública, e sim a falta de investimento. O valor gasto por aluno é muito menor do que nas escolas particulares. Isso cria uma diferença enorme. Mas isso não deve te paralisar. Use o que você tem, da melhor forma possível.”
Ele termina citando uma frase da ginasta Simone Biles, que o inspira:
“Não tente ser o melhor de todos os tempos. Tente ser a sua melhor versão possível.”
José e Sílvio vêm de realidades diferentes, mas compartilham a mesma certeza: o acesso desigual à educação não pode definir o tamanho dos sonhos de um estudante.
Ambos enfrentaram a falta de estrutura, o medo de não pertencer e a distância das oportunidades — e, mesmo assim, encontraram caminhos para continuar acreditando.
“Não se limite pelo que está ao seu redor. Busque informações, conecte-se com quem já trilhou esse caminho e nunca tenha medo de sonhar grande”, aconselha José.
Sílvio completa: “Cada um tem a sua história e as suas possibilidades. O importante é aproveitar o que você tem e fazer o melhor com isso.”
Nota do autor
As histórias de José e Sílvio mostram que a escola pública brasileira ainda tem muito a evoluir — mas também que dela saem jovens capazes de desafiar as estatísticas. Sonhar em estudar fora, nesses casos, não é sobre luxo: é sobre sobrevivência intelectual, sobre provar que talento existe em todos os lugares, só precisa ser visto.
Quer ter acesso a um guia de como driblar a falta de oportunidades desse tipo de escola? Acesse meu outro artigo.

A coluna acima foi escrita por Antônio Paulo de Paiva Almeida, participante do Prep Program, preparatório da Fundação Estudar com foco em jovens que desejam cursar a graduação no exterior. Totalmente gratuito, o programa oferece orientação especializada sobre o processo de candidatura em universidades de fora do país. Saiba mais e faça sua inscrição aqui.













