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Um mestrado em administração pública na Sciences Po

Cecilia Araujo - 29/11/2013
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A língua francesa sempre esteve presente na vida do carioca Miguel Lago. Seu pai, diplomata, morou e estudou por muito tempo na França. Já a família da sua mãe é meio francesa, meio espanhola. Desde pequeno, foi matriculado em um “lycée” do Rio de Janeiro – uma instituição extremamente rigorosa, em que algumas disciplinas são ofertadas em francês. Miguel sempre foi um bom aluno e, quando chegou ao final do ensino médio, não teve problemas em passar no Baccalauréat – diploma que permite o acesso ao ensino superior na França.

Como conseguiu uma mention très bien (menção honrosa) no exame – ou seja, tirou uma ótima nota para os altos padrões franceses –, pôde concorrer a uma bolsa do governo da França para estudar no país. “Todo ano, cerca de 100 alunos estrangeiros eram escolhidos para ganhar a chamada ‘bourse d’excéllence’, e eu fui um deles”, diz. “Precisei escrever uma carta de motivação, conseguir boas recomendações, mas para os franceses a nota é o mais importante.” Miguel foi estudar no renomado Instituto de Ciências Políticas de Paris, Sciences Po.

“Para um garoto de 18 anos, ter acesso a uma faculdade no exterior sem se preocupar com anuidade, seguro saúde ou custos com moradia é uma grande coisa. E ainda ganhava as passagens e uma espécie de salário mensal para outros gastos – já que nos cinco anos da graduação não poderia trabalhar sendo remunerado”, lembra. A bolsa lhe permitia viver de forma completamente independente em Paris, e, segundo Miguel, esse fator pesou bastante na hora de considerar outras universidades de excelência na Europa e nos Estados Unidos.

Antes de embarcar para o velho mundo, contudo, Miguel teve tempo de experimentar a metodologia de ensino brasileira. “Como as aulas na Sciences Po começariam só em setembro, fiz vestibular e entrei para um curso de Economia na PUC Rio e outro de Filosofia na UFRJ”, conta. Mas não se identificou com nenhum dos dois. Ele se encontrou mesmo foi na Sciences Po, que considerou mais “moderada” do que as duas brasileiras. “As duas instituições são excelentes, mas as aulas eram muito próximas das que tínhamos no colégio, me sentia limitado.”

Ensino à francesa
Na França, a experiência foi bem diferente. “O ensino francês é muito mais exigente. Mesmo as aulas técnicas – que tinham como foco gráficos e fórmulas matemáticas – eram extremamente dissertativas e contextualizadas”, afirma Miguel. Segundo ele, os alunos ainda eram incentivados a escrever um paper reunindo toda a problemática de determinado tema, e depois apresentar os mesmos argumentos de forma mais sucinta. “A ideia era nos preparar para assessorar um ministro numa coletiva de imprensa, por exemplo, que precisa de orientações rápidas e concisas.”

Apesar de ter se adaptado muito bem ao curso na Sciences Po, Miguel destaca que a metodologia das escolas francesas é bastante diferente da brasileira e da americana. “Não é todo mundo que se adapta. Eu mesmo me sentia sobrecarregado, cheio de deveres e trabalhos, mas para mim funcionava bem assim.” Esse não foi o caso de outros colegas, que buscavam um método menos disciplinar e mais livre para que pudessem aproveitar melhor o curso. “Os franceses são muito duros e pouco flexíveis. Também não são de elogiar nem mesmo os melhores alunos.”

Animado com a bagagem adquirida durante a graduação, Miguel ainda emendou um mestrado em Affaires Publiques (Administração Pública), também na Sciences Po. “Meu sonho sempre foi trabalhar no setor público, e a França, assim como a Inglaterra, é um grande exemplo em administração pública”, diz. “Grandes diplomatas e políticos franceses passaram pela Sciences Po. Como meu objetivo era trabalhar no Itamaraty, achava que uma experiência no exterior seria necessária. Queria adquirir um alto nível de instrução para ser competitivo no mercado.”

Ao contrário dos mestrados em administração pública em outros países, como EUA e Inglaterra, o curso na Sciences Po ainda desperta pouco interesse dos estrangeiros. Os alunos são treinados para trabalhar especialmente no governo francês, em consultorias ou no mercado financeiro. “O importante era nos qualificar para cargos altamente concorridos. Não havia estímulo à originalidade, ao empreendedorismo ou ao risco. Por outro lado, a bagagem intelectual que adquiri durantes esses anos foi crucial para colocar em prática meus projetos.”

Miguel LagoEmpreendedor por acaso
Miguel mesmo nunca tinha tido vontade de empreender, mas percebeu que essa seria a única saída possível para tornar suas aspirações viáveis, à medida que foi entendendo melhor como funcionava a máquina estatal. “Por mais que o setor público esteja em busca de profissionais qualificados e que haja pessoas bem intencionadas e com vontade de melhorar os serviços do governo, o sistema é muito complicado. Para mim, é muito mais fácil exigir transparência do poder público e influenciar mudanças de hábitos e processos estando fora dele”, acrescenta.

Quando Miguel e a amiga Alessandra Orofino começaram a idealizar o projeto Meu Rio, entre 2008 e 2009, ambos estavam fora do Brasil: ele morava em Buenos Aires, Argentina – onde escolheu fazer um intercâmbio durante a graduação -, e ela estudava em Columbia, nos Estados Unidos. A ideia dos dois era pensar em formas de aumentar a participação efetiva das pessoas nas decisões tomadas na cidade. “Começamos as conversas por Skype e escrevemos o projeto juntos. A partir daí, aproveitamos nossas idas ao Rio para apresentá-lo a possíveis parceiros.”

Hoje, o Meu Rio é referência em ativismo digital: incentiva a participação cívica através da mobilização na internet. “Foi a ferramenta que encontramos para fazer política de forma apartidária e independente.” A fim de arrecadar os recursos necessários para tornar o projeto viável, Miguel e Alessandra precisaram se dedicar a isso de forma intensa por quase três anos. “O que começou como uma ideia maluca se tornou realidade em setembro de 2011, dois meses depois que nós dois tínhamos voltado do exterior. Foi quando contratamos a equipe e colocamos o site no ar”, conta.

Através da plataforma, os interessados podem acompanhar de perto questões relevantes do cenário político carioca e participar de campanhas em prol da transparência e da prestação de contas. “Se a decisão de um prefeito não foi democrática, lançamos uma campanha exigindo uma posição da prefeitura, sempre propondo uma solução. Qualquer um que tenha alguma reivindicação também pode lançar sua própria campanha através da plataforma Panela de Pressão”, diz. “Nossa missão é construir uma nova cultura política na cidade e transformá-la para muito melhor.”

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Sobre o escritor

Cecilia Araujo
Cecilia Araujo
Cecília Araújo é jornalista formada pela UFMG. Na Fundação Estudar, foi Coordenadora de Comunicação e Conteúdo, Gerente de Comunicação e Marketing e Co-Diretora. Atualmente, está à frente do projeto Pessoas pela Chapada, que retrata histórias de moradores da Chapada Diamantina.

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