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Brasileiros podem ser afetados pela proibição de ações afirmativas nos EUA?

Ana Moraes - 10/07/2023
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Na última quinta-feira, dia 29 de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos tornou inconstitucionais as ações afirmativas nas universidades do país. As cotas raciais, por exemplo, implementadas no Brasil em larga escala a partir de 2012, não serão permitidas no País norte-americano, assim como outras políticas para admissão de estudantes de grupos minoritários no ensino superior. Atualmente, negros, hispânicos e outras comunidades sub-representadas são os principais beneficiários do sistema.

Apesar da relevância dessa decisão no contexto norte-americano, é importante destacar que os estudantes brasileiros que almejam estudar nos EUA não serão afetados de maneira prática por essa medida. Isso porque, mesmo com a decisão, as políticas de admissão das universidades americanas para alunos internacionais continuam sendo independentes e podem variar de acordo com cada instituição.

Decisão considera uso de critérios de raça uma violação

Segundo a decisão do Tribunal, o uso do critério raça no processo de admissão viola o princípio constitucional de proteção igualitária perante a lei. A ação começou com o grupo Students for Fair Admissions – SFFA (Estudantes para Admissões Justas), uma organização sem fins lucrativos cujo propósito, como declarado, é “defender os direitos humanos e civis garantidos por lei, incluindo o direito dos indivíduos a igual proteção perante a lei”. 

“Essa decisão é consequência da entrada de ministros mais conservadores na Suprema Corte nos último anos, mudança que tem gerado impacto em diversas áreas. Esses ministros interpretam o mesmo texto da constituição de uma forma diferente dos anteriores”, explica Adriana Lacombe Coiro, Application Specialist na Fundação Estudar e mestre pela Harvard Law School.

O processo foi movido contra as universidades da Carolina do Norte e Harvard, mas a decisão do tribunal é válida para o país inteiro. Nessas e em outras instituições norte-americanas, as ações afirmativas são concretizadas a partir da avaliação do critério de raça no processo de inscrição de um candidato. Isso significa que a raça é apenas mais um critério, não o único – histórico acadêmico e esportivo, história pessoal e atividades extracurriculares são exemplos de outros elementos analisados.

“A decisão anterior ressaltava que raça poderia ser usada como critério em situações excepcionais, para proteger ou promover um valor importante. Promover diversidade nas universidades, por exemplo, entrava nessa exceção”, explica Adriana. “Agora, a Corte entendeu que os benefícios que vêm com a diversidade, embora importantes, são muito vagos para serem medidos. Por isso, o uso de raça, especificamente, não seria justificável.”

No Brasil, por outro lado, o sistema de cotas cria vagas exclusivas para pessoas de grupos minoritários, como negros e indígenas. Dessa maneira, as ações afirmativas são utilizadas de forma diferente, já essas vagas são pré-determinadas para essas pessoas, que passam a competir entre si. No caso dos Estados Unidos, os candidatos de grupos minoritários continuam a concorrer com os do sistema universal. 

Presidente dos Estados Unidos discorda da decisão

No Twitter, o presidente dos Estados Unidos Joe Biden declarou seu descontentamento em relação à decisão da Suprema Corte. Ele escreveu:

“Por décadas, a Suprema Corte reconheceu a liberdade de uma faculdade para decidir como montar um corpo discente diversificado e oferecer oportunidades. Hoje, o Tribunal se afastou do precedente, encerrando efetivamente as ações afirmativas no ensino superior. Discordo veementemente dessa decisão.”

E completou:

“Nossas universidades são mais fortes quando são racialmente diversas. E a América está mais forte porque estamos aproveitando toda a nossa gama de talentos. A decisão da Suprema Corte de hoje não é a última palavra.”

Brasileiros podem ser afetados?

Rosie Falcon-Shapiro, gerente do programa Prep Estudar Fora, da Fundação Estudar, diz que a deliberação gera preocupações: “A decisão da Suprema Corte nos obriga a monitorar de perto o impacto sobre os estudantes internacionais, particularmente no que diz respeito à comunidade estudantil brasileira”.

Embora as instituições tenham reafirmado seu compromisso com a diversidade, ainda faltam informações sobre as implicações específicas para candidaturas internacionais. “No entanto, as universidades estão investigando medidas alternativas para garantir que as origens, experiências e identidades únicas e multifacetadas dos estudantes internacionais recebam a devida consideração no processo de admissão, mesmo que a raça não possa mais ser considerada”, explica a especialista.

A raça não pode mais ser considerada um critério, o que não quer dizer que o candidato não possa explorar essa parte de sua identidade no processo de application.

“Se sua raça teve importância na sua formação e influenciou sua vida de maneira positiva ou negativa, é recomendável compartilhar essas experiências em suas essays”, indica Rosie. As atividades extracurriculares também merecem atenção: “Elas podem revelar se você pertence a alguma comunidade à qual você apoia ativamente”.

Apesar do futuro incerto, Rosie afirma que há um empenho para que essa decisão não prejudique os alunos estrangeiros. “Buscar uma educação abrangente e inclusiva continua sendo nosso objetivo comum, e esforços estão sendo feitos para proteger as oportunidades para estudantes brasileiros buscarem suas aspirações acadêmicas nos Estados Unidos em meio a esse cenário em constante mudança”, finaliza.

Universidades comentam decisão da Corte

Em um comunicado, a Universidade Harvard afirmou que iria cumprir a decisão do Tribunal. Também foi enfatizada a importância de uma composição diversa de alunos é essencial para a construção de um ambiente acadêmico de excelência: “Para preparar líderes para um mundo complexo, Harvard deve admitir e educar um corpo discente cujos membros refletem e viveram múltiplas facetas da experiência humana. Nenhuma parte do que nos torna quem somos poderia ser irrelevante”.

O comunicado diz ainda que a instituição deve delimitar melhor como o processo de admissão pode ser alterado para seguir a decisão da Corte e manter o posicionamento da universidade: “Por quase uma década, Harvard vigorosamente defendeu um sistema de admissão que, conforme decisão de dois tribunais federais, obedecia integralmente a um precedente de longa data. Nas próximas semanas e meses, com base no talento e experiência de nossa comunidade de Harvard, determinaremos como preservar, de acordo com o novo precedente da Corte, nossos valores essenciais”.

A Universidade da Carolina do Norte diz que, apesar de inesperada, a decisão da Corte vai ser respeitada. No comunicado, a instituição reforça a importância da diversidade: “A Carolina está empenhada em reunir alunos talentosos com diferentes perspectivas e experiências de vida e em tornar uma educação acessível e de alta qualidade disponível para pessoas da Carolina do Norte e de outros lugares”.

Assim como Harvard, a universidade deve comunicar em breve as alterações nos processos internos: “Sei que esta decisão pode levantar questões sobre o nosso futuro e como cumprimos nossa missão e vivemos nossos valores. Mas a Carolina foi construído para isso, e estamos nos preparando para qualquer desfecho. Nossa equipe de liderança precisará de tempo para revisar minuciosamente os detalhes desse resultado e seu impacto potencial antes de determinar especificamente como cumpriremos essa decisão. Nas próximas semanas, comunicaremos nossos planos à comunidade do campus”.

 

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Sobre o escritor

Ana Moraes
Jornalista e editora do Portal Estudar Fora. Entre em contato pelo e-mail [email protected].

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