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Por que o MIT dá certo?

Lecticia Maggi - 27/08/2015
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No ano passado, o orçamento para pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi de US$ 678 milhões. Desse total, quase US$ 130 milhões vieram de empresas privadas. A universidade é famosa por integrar ciência e mercado de forma harmônica e eficiente – algo que está longe de acontecer no Brasil. Só Karen Gleason, pró-reitora da instituição, já fundou duas startups (a GVT e a DropWise) a partir de pesquisas em química, sua especialidade, feitas no campus. Gleason explica por que – e como – o processo funcionou.

Como suas pesquisas começaram a virar empresas?

Sempre fui apaixonada por moléculas e como controlá-las. Nunca me preocupei em criar produtos. Mas dava muitas palestras no Massachusetts Institute of Technology para empresas parceiras da universidade. Às vezes, 20 pessoas de uma mesma empresa vão lá ouvir professores. Há os ‘industry days’ [dias do mercado], em que centenas de empresas vão ao campus. Os contatos acontecem.

Dessas conversas nasceram suas startups?

Essas empresas começaram a me dizer que teriam aplicações para as películas que eu estava criando. Num certo momento, eu tinha cerca de 200 sugestões diferentes. Desde colocá-las em esquis até usos biomédicos. Mas é preciso muita energia para levar em frente um projeto assim. Meus alunos, que têm mais disposição, acabaram formando a empresa comigo.

Qual das 200 ideias fez a empresa acontecer?

Era uma aplicação para fazer membranas para a purificação de materiais. Foi uma empresa desse setor, que também nos ajudou a pensar em produção em escala, cadeia de fornecedores, plano de negócios.

Então, quando a senhora fez um plano de negócios, já tinha um primeiro cliente?

Correto. Esse primeiro cliente veio à universidade, viu uma palestra, começou a financiar algumas pesquisas no meu laboratório e, em um certo momento, achou que deveríamos fazer os produtos em escala comercial. Mas você não pode fazer isso em um laboratório universitário, então decidimos criar a startup. No fim, acabamos não vendendo produtos para esse setor. Mas amadurecemos a empresa. Depois, por meio de outro contato no Massachusetts Institute of Technology, encontramos uma empresa no nicho onde estamos, que atua na fabricação de pneus.

O QUE ELA CRIOU? A pesquisadora realiza um trabalho pioneiro relacionado à deposição de vapor de substâncias orgânicas sobre filmes poliméricos, o que torna possível a fabricação de películas ultrafinas e mais regulares que as atuais

No que a estrutura acadêmica do Massachusetts Institute of Technology ajudou a senhora nesse processo?

Eu dava aulas para classes conjuntas entre engenharia e administração. Passava a eles problemas como: essa tecnologia funcionaria para a indústria do vestuário? E eles respondiam conjuntamente. Também contei com conselheiros de vários departamentos. Esses são alguns exemplos de apoio.

No que o MIT se beneficiou disso tudo?

Tudo que é inventado no MIT fica com o MIT para sempre. As patentes que a empresa usa pertencem ao MIT, que as licencia para nós. O MIT também tem uma porcentagem da propriedade da empresa.

O MIT sempre tem ações dessas startups?

Nem sempre. O MIT faz um equilíbrio entre a taxa da patente e a propriedade de ações da empresa. Algumas startups têm capacidade de pagar mais em licenciamento, então não precisam dar ações. Cada caso é um caso. Mas isso resolve o problema da propriedade intelectual. E é bom para a empresa ter patentes que são do MIT. Se alguém quebrá-las, é difícil uma startup sozinha ir à Justiça.

No Brasil, há grande distância entre as empresas e as universidades. Como encurtá-la?

Às vezes, quando as empresas vão a uma universidade, as expectativas das duas partes estão muito distantes. As empresas querem uma inovação pronta, os pesquisadores querem recursos para pesquisar. Tem de haver algo no meio. No caso do MIT, são as startups. Essa distância é chamada de “vale da morte”. Você tem uma boa ideia, há uma necessidade no mercado. No meio disso, existe o vale. A verdade é que as duas partes têm de se unir. Você precisa de dinheiro para cruzar o vale, de pessoas experientes, que entendam de burocracia, gestão. Essa ideia de uma pessoa brilhante num laboratório, que vai ter uma ideia e fundar uma grande empresa, isso não funciona. É preciso um time, com diferentes tipos de pessoas. Juntar empresas e pesquisadores faz a inovação funcionar.

Este texto foi originalmente publicado na Época Negócios

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Sobre o escritor

Lecticia Maggi
Lecticia Maggi
Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduada em Gestão de Negócios pelo Senac-SP. Foi editora do Estudar Fora entre 2014 e 2016. Atualmente, é coordenadora de comunicação no Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que tem como um de seus objetivos ajudar a qualificar o debate educacional no país.

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