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Ele buscou na London School of Economics como ajudar pequenos municípios

Lecticia Maggi - 13/09/2016
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Por Priscila Bellini

O engenheiro José Rodolfo Pfaffmann Fiori se inspirou na sua cidade natal, São Joaquim da Barra, para elaborar seu próprio negócio. Localizado no interior paulista, o lugar enfrentava problemas comuns em pequenos municípios brasileiros – que viraram o foco da consultoria fundada por Pfaffmann. Prestes a concluir o mestrado em Desenvolvimento Econômico Local na London School of Economics, no Reino Unido, ele fala ao Estudar Fora sobre o potencial das pequenas e médias cidades no Brasil e sobre sua experiência na Muove.

#1 Quando surgiu a ideia de criar a Muove?

Ela nasceu de uma vontade de ajudar a minha cidade natal. Eu estava na carreira privada e queria ajudar a minha cidade. Comecei a ter uma interação com a prefeitura e percebi que a capacitação dos gestores era muito baixa. E aí, fui tentar achar alguma organização que poderia apoiá-los e só encontrei empresas com custo altíssimo. As empresas tradicionais de consultoria, de renome, são muito caras para um município com esse perfil, que tenha seus 50 mil habitantes. E, naquele momento, eu percebi que havia espaço para um modelo de negócio que apoiasse esses municípios com um custo mais baixo e que fosse especializado em desenvolvimento.

Isso aconteceu lá atrás, em 2013, e eu comecei a esboçar a ideia. Já em 2015, pedi demissão da empresa em que eu estava, e abri a Muove oficialmente. De início, fizemos um projeto em cinco cidades e nesse meio tempo eu decidi parar um pouco. Como eu não tenho um background de economia e desenvolvimento, resolvi ir para o mestrado acadêmico na London School of Economics, justamente para adquirir esses conceitos. Então, estou aqui aperfeiçoando os conceitos que quero levar para a empresa.

#2 Como foram esses primeiros passos nas cinco cidades brasileiras?

Eu fui para Itirapina, São Carlos, Brotas, Limeira e Corumbataí, cidades no interior de São Paulo, para poder testar na prática o modelo de negócios que eu tinha no papel. O que eu queria descobrir era o tipo de problema que municípios tinham. Isso porque a tese de negócios da Muove é ser de baixo custo. Para fazer isso, tem que haver escala. Se o município tem problemas complexos, que dependem de muita coisa, de um consultor que vá lá e veja exatamente quais são os problemas, não dá para escalar esse produto. Cada caso será um caso. A ideia foi ir até esses municípios para entender os tipos de problema. Se eu tivesse problemas simples e que fossem comuns a todas as cidades, eu poderia criar produtos escaláveis e que serviriam para todas as cidades. Nessas cinco cidades, pude perceber que, sim, nós temos problemas complexos, que dependem de um consultor que vá até lá e fique por lá entendendo os mínimos detalhes, e que envolva muita gente no processo. Mas a maior parte dos problemas dos municípios hoje é simples, e pode ser resolvida com ações simples. Dada a baixa capacitação de servidores e a falta de vontade política, esses problemas não são resolvidos.

#3 Quais seriam exemplos desses problemas simples?

Há problemas como o do município que diz não ter recursos para educação, por exemplo. Só que, na conta dele, há um valor que ele não conhece, porque ele não sabe exatamente como checá-lo e nem como falar com o setor responsável para checar. Esse é um problema: existe um desconhecimento de onde estão os recursos e de quais são os recursos de cada município. Para resolver isso, nós desenvolvemos um software que permitia ao município acessar via celular quais eram todos os recursos disponíveis para ele. Assim, ele conseguiria entender qual é a verba que ele tem e qual ele não tem. O outro problema que encontramos é o de municípios com dificuldade em fazer diagnóstico, a primeira parte de resolver qualquer problema. Não se pensava que, para melhorar a educação, era necessário olhar esse ou aquele indicador, e como cada um se conectava.

Municípios também têm dificuldade em saber se a arrecadação de IPTU deles está certa ou errada. Então, a gente ajuda esse cara a entender se o IPTU dele está baixo ou alto e dá ferramentas para ele mudar isso. Para aumentar o IPTU, a lei tem que ser essa ou aquela, para fazer o mapeamento das casas, você pode usar essa ou aquela ferramenta. E aí ele consegue de maneira mais fácil fazer a mudança.

Hoje, não há muita gente estudando as cidades, não há uma tendência quanto a isso. Quem estudar o assunto, sem sombra de dúvidas, vai se dar bem.

#4 Como funciona, na prática, a Muove?

Somos uma equipe de três pessoas dedicadas à Muove e um grupo de 10 parceiros técnicos, que apoiam a gente com validações das ações que a gente faz. Eu não sou um especialista em educação, eu não sou um especialista em saúde, e nós não pretendemos ser. Então, eu  poderia adquirir esse conhecimento de duas formas. Ou eu contratava as pessoas para trabalhar dentro da empresa, ou eu fazia parcerias com consultores técnicos para que, em caso de dúvida, ou eu conecte o município com ele, ou eu me conecte diretamente com ele. Esses 10 consultores vêm de acordo com alguma demanda que o município tenha e que nós não consigamos resolver.

Se eu preciso fazer um plano de carreira para os professores, eu não sou especialista, mas vou conectar com um consultor que sabe muito disso. E ele vai me falar quantas horas vai ter para trabalhar nesse projeto, e a partir daí eu conecto os dois, consultor e município, para que eles possam resolver o problema com a minha intermediação. Isso fica muito mais barato, porque eu consigo fazer uma cobrança por hora.

Muitas cidades não têm capacidade de identificar esses problemas. O corpo técnico deles não consegue analisar isso. Se você pensar que 95% dos municípios brasileiros têm menos de 50 mil habitantes e que nessas prefeituras há um quadro com uma capacidade técnica determinada, vai ver que para alguns problemas essa capacidade não é suficiente. Nem para entender o problema nem para resolvê-lo. Com certeza, é mais fácil e barato se eles procurarem essa capacidade fora da prefeitura, porque trazê-la para dentro, dada a burocracia de contratação e tudo mais, é super complexo. E não há tantos salários atrativos no setor público, principalmente em prefeituras de cidades pequenas. Se você for numa cidade pequena, vai ver que muitas das pessoas qualificadas saem dali em direção às maiores. E acaba que o setor público, que é a maior instituição, e que permanece ali, sofre essa falta de mão de obra qualificada.

#5 Na área de gestão pública, há uma tendência a buscar soluções inovadoras?

Você vê gente estudando educação, vê gente que estuda a área da saúde. Só que os problemas das cidades estão interconectados, e não isolados. Hoje, não há muita gente estudando as cidades, não há uma tendência quanto a isso. Quem estudar o assunto, sem sombra de dúvidas, vai se dar bem. O que acontece é que os municípios estão quebrando, e que muitas vezes ficam sem recursos, ou simplesmente não sabem como gastá-los. Se há alguém que está atento, que está olhando para isso, buscando soluções para esse ambiente, vai ter muito espaço. As cidades vão precisar disso.

Se pensarmos em termos práticos, as pessoas não “moram” no governo federal, nem no estadual. Elas moram nas cidades, onde está o governo municipal. Quem sente a pressão mais direta, no dia a dia, é o prefeito e a administração pública municipal. Se as coisas não estão bem, pode ter certeza de quem tem alguém na cidade se estressando bastante. Essa pessoa que está se estressando está procurando ajuda, mas há pouca gente disponível para colaborar.

 

* Foto: A cidade de São Joaquim da Barra / Crédito: Prefeitura de São Joaquim da Barra

 

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Sobre o escritor

Lecticia Maggi
Lecticia Maggi
Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduada em Gestão de Negócios pelo Senac-SP. Foi editora do Estudar Fora entre 2014 e 2016. Atualmente, é coordenadora de comunicação no Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que tem como um de seus objetivos ajudar a qualificar o debate educacional no país.

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