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Estudante do Ciência sem Fronteiras na China conta como é viver no país

Lecticia Maggi - 03/08/2015
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Por Wildiner Batista

Se você pensa em vir para a China, prepare-se para dar explicações. Quando decidi vir para cá, para cada pessoa que eu contava minha escolha eu tinha que responder a um interrogatório: “Você vai ter coragem de comer escorpião e cachorro? Você fala mandarim? Não?! Como você vai viver lá? Como que a gente vai conseguir se comunicar com você sem Facebook? Como você vai viver sem o Google?” e, por fim, é claro: “Com tanto país no mundo por que você quer ir pra China?”. Na época, o que eu achava mais engraçado era que meus amigos que foram para os Estados Unidos ou Inglaterra basicamente não passaram pela mesma situação, afinal ir para os EUA ou Europa são coisas bem “mais naturais” e fáceis de aceitar.

Não tomei minha decisão no escuro e muito menos porque estava morrendo de vontade de almoçar escorpião e jantar cachorro (…) Li notícias, relatórios, analisei gráficos e projeções

Não tomei minha decisão no escuro e muito menos porque estava morrendo de vontade de almoçar escorpião e jantar cachorro (o que seria uma frustração, visto que o paladar daqui não é tão exótico assim e você logo se adapta). Li notícias, relatórios, analisei gráficos e projeções e na minha cabeça a escolha mais natural era a China – que já é a maior economia do mundo quando você considera paridade de poder de compra.

Quando você considera que o maior fenômeno migratório da história da humanidade está ocorrendo exatamente agora aqui na China, com as pessoas deixando o campo para buscar uma vida melhor nas cidades, já vale a pena vir para cá. Os desdobramentos deste fenômeno são muito interessantes: a taxa de urbanização da China está em torno de 60% enquanto que a dos EUA, por exemplo, é algo na casa de 80% – estes 20% de diferença indicam que quase 300 milhões de pessoas terão deixado o campo quando a China alcançar o índice de urbanização da maioria dos países desenvolvidos. E o que isso significa? Cada pessoa que deixa o campo e vai para a cidade, produzindo de forma mais eficiente e adquirindo novos padrões de consumo agrega de duas a três vezes mais para o crescimento econômico. Agora, faça as contas e pense no poder da China e na revolução que está ocorrendo.

Quando cheguei à China, confesso, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: “O que eu fiz da minha vida? Como eu volto para o Brasil?” e não foi por saudade ou qualquer coisa do tipo. Imagine você dentro de um taxi olhando pela janela com um raio de visão menor que 500 metros por causa da poluição, o que você pensaria? De fato, esta é minha maior preocupação aqui e, felizmente, a da maioria dos chineses também, o que me leva a crer que logo vamos encontrar  uma solução para este problema.

Quanto às aulas de mandarim, por razões administrativas eles alocaram todos os brasileiros em uma mesma turma, o que foi ruim em termos de aprendizado, visto que uma empatia maior entre os colegas de turma leva a mais conversas durante a aula, mas… em português!  Isso não agrega nada se você quer aprender mandarim.

O idioma é sim muito desafiador. A maioria dos fonemas a gente não tem na língua portuguesa e até você aceitar e entender que um 汉字 (hanzi – caracter chinês) é escrito e não desenhado vai demorar uns três meses. E não tem outro jeito, como dizem as professoras chinesas, para aprender é preciso falar muito e escrever muito. Ah! E prepare-se, aceite o método chinês, sem essa de “mas esse método não funciona”, se você ficar brigando só vai perder tempo e motivação, é aceitar – muitas horas de estudo, muito dever de casa, repetição, repetiçao, repetição (afinal, como diz um ditado chinês –  熟能生巧 – a prática leva à perfeição).

O que mais me impressiona aqui em relação aos chineses é o quanto eles se dedicam. (…) Pressão (压力) é uma palavra que você vai ouvir bastante aqui

O que mais me impressiona aqui em relação aos chineses é o quanto eles se dedicam. Num domingo qualquer, fui às 9h da manhã para a biblioteca e simplesmente não tinha lugar para sentar, não porque a biblioteca é pequena e nem porque era véspera de alguma prova mas sim pela cultura e pressão.

Pressão (压力) é uma palavra que você vai ouvir bastante aqui, desde a pressão do gaokao (Enem chinês), a de conseguir um bom trabalho até a do “tá na hora de casar”. Dizer que essa pressão é boa é exagero, mas como vários chineses já me disseram “sem pressão o país não vai pra frente, se tiver tranquilo de mais a pessoa não avança e o país também nao avança”. Realmente, disso não dá para discordar.

Se é facil estar aqui? Depende. Eu considero não muito difícil. De vez em quando, você tem um ou outro probleminha, mas coisa pequena. Se você vier pelo programa Ciência sem Fronteiras (CsF) como eu, sua bolsa vai cair em dia e, se você controlar seus gastos, sobrará algum dinheiro para viajar. Você vai conhecer gente de diversos lugares do mundo, deve aprender a língua (mandarim). E vai entender um pouco melhor como pensam e o que levam as pessoas da maior economia do mundo no século XXI a tomar decisões.

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Wildiner Batista é estudante de Engenharia Civil na Unicamp e está fazendo um intercâmbio de 2 anos na China pelo Ciência sem Fronteiras (CsF). No primeiro ano, ele estudou mandarim em Wuhan e agora está de mudança para Pequim para estudar na Tsinghua University (melhor universidade dos BRICS – grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

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Sobre o escritor

Lecticia Maggi
Lecticia Maggi
Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduada em Gestão de Negócios pelo Senac-SP. Foi editora do Estudar Fora entre 2014 e 2016. Atualmente, é coordenadora de comunicação no Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que tem como um de seus objetivos ajudar a qualificar o debate educacional no país.

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