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Do Capão Redondo para o mundo

Lecticia Maggi - 11/09/2014
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Desde pequeno, Gustavo Torres queria ser inventor. Só não tinha muita noção de como chegar lá. Nasceu no Capão Redondo, região de São Paulo frequentemente associada à pobreza e à falta de oportunidades. Lá, muitos dos jovens, de baixa renda, não conseguem sequer se imaginar viajando para outros países ou estudando em escolas excelentes.

Já tinha ouvido falar que existia um programa de bolsas de estudo para alunos de baixa renda estudarem em escolas particulares, mas nunca tinha cogitado participar da seleção

Assim como seus amigos, Gustavo estudou a vida toda em escola pública, na Escola Estadual Miguel Munhoz Filho. “Eu era meio ‘nerd’ e sofria um pouco com isso. Era inseguro, tinha a autoestima muito baixa”, conta. Mas, exatamente por ser um aluno aplicado, foi um dos destaques da Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas enquanto cursava a 6ª série do ensino fundamental, chamando a atenção de uma das professoras do colégio.

“Já tinha ouvido falar que existia um programa de bolsas de estudo para alunos de baixa renda estudarem em escolas particulares, mas nunca tinha cogitado participar da seleção. Até que essa professora pegou meus dados e perguntou se podia me inscrever no Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos)”, diz. Era quase agosto, e a primeira etapa da seleção – uma prova presencial que incluía questões de matemática, português e lógica – estava prestes a acontecer.

Injeção de ânimo

Gustavo nem teve tempo para se preparar direito. Mesmo assim, conseguiu passar para as próximas fases, realizadas por psicólogos do Ismart: entrevista individual, entrevista com a presença dos pais e dinâmica de grupo. “Para mim, esta última etapa é a mais difícil, pois você vê o quanto as pessoas que estão concorrendo são incríveis”, conta. Recentemente, foi incluída uma nova fase anterior a todas essas: uma prova online para nivelar os candidatos.

Durante o processo, Gustavo foi entendendo melhor o que era o próprio Ismart: além de oferecer bolsas de estudo, também dá acesso a programas de desenvolvimento e orientação profissional, do ensino fundamental à universidade. “Era bem mais legal do que eu imaginava”, afirma. No final, recebeu a resposta positiva e começou a fazer parte do instituto em 2010.

A partir da 7ª série, já com a bolsa do Ismart, começou a estudar no Colégio Santo Américo, no Morumbi, na parte da manhã. Continuou acompanhando, no período da tarde, as aulas na antiga escola estadual até o fim do ensino fundamental, para não perder nenhum conteúdo. Só abandonou a dupla jornada no ensino médio, quando passou a estudar no Santo Américo em tempo integral.

Ao entrar para o Ismart, Gustavo conta que conheceu muita gente inspiradora. “No meu primeiro ano lá, conheci um menino chamado Marco Antônio, que me marcou muito. Ele era de uma cidade do interior de São Paulo, chamada Santa Isabel, e tinha acabado de entrar no MIT (Estados Unidos) para fazer a graduação. Logo vi que estava num ótimo lugar, com muita gente boa. E passei a enxergar mais oportunidades, ter vontade de estudar fora também”, diz.

Primeira experiência fora

Em 2012, cursando o 2º ano do ensino médio, teve sua primeira experiência relacionada a viagens fora do Brasil. Soube de uma oportunidade de intercâmbio de férias em Yale (EUA), pela sua conselheira do Ismart. “Recebi um e-mail da Carol falando sobre um programa chamado Yale Young Global Scholars. Mas fechei a mensagem em seguida, prevendo que nunca conseguiria passar no processo seletivo. Passou um tempo, resolvi abri-lo de novo: quer saber, não custa nada tentar.” De repente, Gustavo ficou motivado e começou a correr atrás para se preparar.

Como precisaria fazer o SAT (a versão americana do ENEM) para concorrer a uma vaga, comentou com o pessoal do Ismart para ver se eles poderiam colocá-lo em contato com alguém que pudesse orientá-lo. “Eles me indicaram uma professora que já estava orientando outros alunos do instituto, para outro programa da própria Yale, chamado Explo (Exploration Summer Program). Quando fui pesquisar sobre ele, acabei gostando mais da sua proposta do que a do outro programa para que eu originalmente queria aplicar. O problema é que eu teria apenas duas semanas para completar todo o processo de application”, conta. O esforço valeu a pena, e acabou dando certo mais uma vez.

No começo do ano passado, Gustavo passou três semanas em Yale, junto com outros dois colegas do Ismart. “Para ser sincero, não sabia o que esperar dessa experiência. Tinha na cabeça que teria contato com uma cultura diferente, a americana, mas não imaginava que conviveria com gente do mundo todo. Por incrível que pareça, acabei aprendendo muito sobre minha própria cultura aprendendo com outras. Quando a gente está muito imerso em um lugar só, acaba não percebendo todas as nossas particularidades. Passei a entender e dar mais valor ao Brasil enquanto estava nos EUA, conversando com pessoas de outros países.”

Tive muitos exemplos que me inspiraram. Agora, vejo que também posso servir de exemplo para outros também

Em Yale, teve a oportunidade de acompanhar cursos de férias de engenharia mecânica, desenvolvendo projetos na área de tecnologia, e de introdução aos negócios, bolando estratégias para arrecadar dinheiro para as bolsas do próximo ano. Ainda participou de workshops, como um de empreendedorismo social. “Foi muito interessante perceber que, por mais diversos que fossem os backgrounds das pessoas, de toda parte do mundo, todos temos muitas semelhanças. Podemos pensar diferente, mas somos seres humanos, temos nossos medos, habilidades, defeitos… E isso une a gente. Voltei ao Brasil com um pensamento global, compreendendo mais o Brasil e o mundo”, diz.

Multiplicando o sonho

Com o intuito de incentivar outros jovens do Capão Redondo a terem experiências parecidas com essa, Gustavo visita com frequência escolas públicas da região, inclusive a Miguel Munhoz Filho. “Devo muito àquela escola, por isso quero ajudar outros jovens a correr atrás dos seus sonhos. Quero que eles conheçam o Ismart e também tenham inspiração e motivação para fazer mais. Tive muitos exemplos que me inspiraram. Agora, vejo que também posso servir de exemplo para outros também.”

Além de contar sua história, Gustavo também divulga um projeto que criou junto com outros colegas no segundo semestre do ano passado: o DSJ – Descobrindo o Sonho Jovem. “A gente começou a refletir no quanto aprendemos sobre nós mesmos e nos inspiramos com histórias de outros jovens depois que entramos para o Ismart. Conhecemos um mundo novo, vimos que podemos sonhar mais e mudar nossas vidas. Agora, queremos ajudar outros jovens a descobrirem seu sonho, através de autoconhecimento e inspiração”, diz.

O projeto consiste em visitar escolas e estimular o potencial dos jovens através de treinamentos e orientação, na linha do centro de inovação Fábrica de Criatividade. Se eles estão começando pequeno, no Capão Redondo, a ideia é ampliar seu escopo para todo o Brasil. “Acreditamos que todo mundo tem um potencial, mas a maioria das pessoas não tem um sonho concreto que indique como aplicar esse potencial.”

Não acreditava que era possível viajar para fora do Brasil, não achava que tinha potencial. Com o apoio de professores e colegas, resolvi colocar a cara no mundo, acreditar em mim

Segundo ele, no Capão, as pessoas têm muita energia e persistência, mas não acreditam que podem fazer a diferença. “Eu também costumava ser assim, até que descobri que podia mudar a minha vida e a da comunidade”, diz. “Não acreditava que era possível viajar para fora do Brasil, não achava que tinha potencial. Com o apoio de professores e colegas, resolvi colocar a cara no mundo, acreditar em mim. Pessoas que te motivam, te levam para frente. Passei a me inscrever para tudo o que me interessava, até consegui um estágio de férias na Odebrecht.”

Se um dia Gustavo pensava em ser inventor, hoje seu sonho é parecido: quer estudar engenharia física para futuramente desenvolver novas tecnologias de ponta. “Vi que realmente é disso que eu gosto. A diferença é que agora tenho uma ideia muito mais clara de como conseguir alcançar esse objetivo.” Hoje, aos 17 anos, Gustavo se prepara para fazer a graduação no exterior com a ajuda do Personal Prep Scholars, programa gratuito de preparação para estudar fora da Fundação Estudar.

A outros jovens que também têm vontade de ter uma experiência como essa, mas não têm condições financeiras para arcar com os custos da viagem, Gustavo tem uma mensagem: “A gente tem que arriscar, sem medo. Se não der certo, tudo bem. Tem que ter disposição para errar, receber o não. O que importa é tentar, buscar o novo, novas oportunidades. Uma hora vai dar certo.”

Por Cecília Araújo

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Sobre o escritor

Lecticia Maggi
Lecticia Maggi
Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e pós-graduada em Gestão de Negócios pelo Senac-SP. Foi editora do Estudar Fora entre 2014 e 2016. Atualmente, é coordenadora de comunicação no Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que tem como um de seus objetivos ajudar a qualificar o debate educacional no país.

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